A trajetória de Raquel Benati, realizadora do Rio Sem Glúten – Celíacos que Fazem a Diferença #1

No primeiro Celíacos que Fazem a Diferença você vai conhecer a trajetória de carinho e dedicação trilhada por Raquel Benati, celíaca que exerce importante trabalho para a comunidade há cerca de 16 anos. Após toda a dificuldade que passou para ser diagnosticada, Raquel sentiu a necessidade de construir um mundo mais fácil para a nova geração de celíacos viver e tomou a frente dessa missão. A partir da sua experiência surgiu o Rio Sem Glúten, um projeto pioneiro no trabalho de pesquisa e divulgação de conteúdo sobre a condição celíaca e outras desordens relacionadas ao glúten, sendo referência nacional no assunto. Conheça a seguir toda a história de vida de Raquel Benati com a Doença Celíaca e seu importante trabalho!

Sintomas difusos desde criança

Durante a infância, Raquel teve alguns episódios de diarreia, que foram justificados como sendo uma possível verminose, já que ela brincava muito no quintal do sítio da família no interior de Minas Gerais. Em algumas outras ocasiões essa mesma ocorrência também foi atribuída ao consumo exagerado dos alimentos durante algumas refeições. Apesar de sempre ter uma alimentação rica em vegetais, raízes, ovos, carnes, frutas e verduras, além de outros alimentos ricos em ferro e vitamina B12, durante a adolescência Raquel apresentou uma anemia que não melhorava e também deficiência de vitaminas. Segundo os médicos, a anemia crônica que ela apresentava era compatível com seu intenso fluxo menstrual, que durava muitos dias.

Raquel Benati

Conforme Raquel foi crescendo ela também apresentou intestino preso intercalado com os períodos de diarreia e, após algumas refeições, percebia que a digestão não era feita corretamente, pois sentia desconfortos e ficava com a barriga estufada. Além disso, Raquel também possuía um grau leve de déficit de atenção, que teve que aprender a lidar por conta própria para não interferir nos seus estudos, e alguns problemas na pele, como ressecamento e rachaduras dos calcanhares e manchas brancas no antebraço, que mesmo seguindo o tratamento para o desaparecimento delas, voltavam em pouco tempo. 

A busca pela causa da anemia crônica

Quando ingressou na faculdade, Raquel foi em busca de um Hematologista muito recomendado, professor da UFRJ, para investigar a anemia que estava presente em sua vida há anos. Apesar da bateria de exames feita, não foi encontrado nada que justificasse o quadro que ela apresentava. Seu tratamento, sem melhoras, foi feito através de comprimidos de ferro. Posteriormente Raquel foi encaminhada para o HEMORIO, hospital especializado em doenças do sangue, onde chegou a fazer uma biópsia da medula óssea, colhendo material dentro do ilíaco (osso da bacia) para averiguar se havia algo errado, mas nada foi encontrado. Ao comentar sobre os episódios de diarréia com a médica, foi recomendado apenas que Raquel comesse uma combinação de limão com farinha de mandioca. Após muitos anos frequentando atendimento médico público e particular e apenas com a recomendação de que deveria continuar injetando ferro na veia, Raquel continuou sem respostas, o que a fez desistir do acompanhamento. A anemia que ela tinha era tão severa que quase tirou a chance dela de conseguir uma vaga em um processo seletivo que fez para dar aulas de músicas nas creches de uma fundação pública. Felizmente, Raquel conseguiu o emprego, mas foi encaminhada para tratamento no Hospital Universitário da UFRJ, no setor de Hematologia, onde foi atendida por dois anos por um professor especialista na área. O médico, porém, nunca apresentou interesse pelo histórico dos demais sintomas, como diarreia e baixo peso, que Raquel já havia apresentado. Novamente, a única indicação feita foi o tratamento com ferro injetável, que na época era possível fazer aplicação até sem receita médica, além do acompanhamento com exames periódicos, fazendo com que Raquel abandonasse o atendimento mais uma vez. 

Diagnóstico

Aos 30 anos, além da anemia contínua, os episódios de diarréia se intensificaram e Raquel começou a perder muito peso. Novamente ela procurou um hematologista, mas dessa vez foi encaminhada para uma gastroenterologista, pois somente seria possível fazer o tratamento da anemia após resolver a diarréia crônica existente. Outra vez Raquel teve que enfrentar muitos exames, incluindo endoscopia e colonoscopia. Durante esse período de investigação ela sentiu que seu corpo “pifou”, pois até mesmo quando comia batata era possível perceber que a digestão não era feita. Além disso, ela sentia dores abdominais constantes e precisou se afastar do trabalho devido aos problemas de saúde. Após a bateria de exames, Raquel foi diagnosticada com pangastrite e parasitose inespecífica, precisando de novo mudar de médica. Raquel foi acompanhada pela nova gastro por mais de um ano e a prescrição médica feita continha metronidazol e farelo de trigo.

Naquela época, um amigo da Raquel, que era médico, sugeriu que ela pudesse ter doença celíaca, devido aos sintomas apresentados. Ela então levou a hipótese do amigo para sua gastroenterologista, que descartou a possibilidade, pois acreditava que na verdade Raquel tinha a síndrome do intestino irritável, relacionado ao estresse do seu trabalho como professora.  Raquel ressalta que em 30 anos de magistério nunca foi uma professora estressada. 

Devido ao acompanhamento, Raquel Benati fazia endoscopias periodicamente com um endoscopista da confiança de sua médica. Na sexta endoscopia que ela precisou fazer o endoscopista resolveu por conta própria fazer a biópsia não só do estômago, mas também do duodeno. Para conseguir fazer uma análise sem dúvidas, ele colheu material suficiente para enviar a 2 laboratórios diferentes. O primeiro laboratório apontou atrofia vilositária, característico da doença celíaca; já o segundo laboratório foi diretamente ao ponto, citando que o quadro de Raquel se encaixava com a condição celíaca. Após anos frequentando médicos e fazendo baterias de exames, finalmente Raquel conseguiu o diagnóstico, feito graças ao endoscopista! A gastroenterologista que a acompanhava na época ficou surpresa com o diagnóstico e recomendou que Raquel retirasse da dieta o trigo, aveia, cevada e centeio.

Consequências devido ao diagnóstico tardio

Vinte anos se passaram desde o início da ida aos médicos até o correto diagnóstico, feito quando Raquel já tinha 31 anos. Essa demora para o diagnóstico correto fez com que Raquel fosse adoecendo ao longo das décadas e ela ficou com sequelas não somente físicas, mas também emocionais. Assim como a anemia crônica, ela possui déficit de atenção permanente, como também outras questões, que  envolvem tanto a musculatura abdominal quanto o funcionamento do aparelho digestivo e suas diversas funções. Além disso, Raquel desenvolveu outra doença autoimune, a Diabetes Autoimune Latente do Adulto (Diabetes LADA ou 1,5), uma das diversas doenças associadas à condição celíaca.

Sentimento após o diagnóstico

Raquel relata que se sentiu feliz por finalmente ter conseguido o diagnóstico após anos em busca de uma resposta para seus problemas de saúde. Porém, o sentimento em relação aos profissionais que a acompanharam durante todos os anos foi de raiva, pois, na década de 90, a doença celíaca já era conhecida e ela teve sua vida em jogo devido à falta de conhecimento e preparo dos médicos. Embora naquela época só fosse possível o diagnóstico com endoscopia, pois os exames sorológicos começaram a ser usados no Brasil anos depois, a DC já era descrita como uma das possíveis causas da anemia crônica e emagrecimento crônico. Quanto a sua última gastro, a que negou a possibilidade da doença celíaca, Raquel conta que não consegue verbalizar a decepção com o fato ocorrido. A médica nunca pediu desculpas pelo erro cometido, mas Raquel fica feliz em saber que após o seu caso, essa mesma médica começou a investigar a condição celíaca em adultos e já fez diagnóstico em outras pessoas em um curto período de investigação.

Aceitação e Adaptações

Após o correto diagnóstico e do começo do tratamento, Raquel conseguiu engordar cerca de 10kg em dois meses e sua energia e qualidade de vida melhoraram muito. Como na época não existia internet, Raquel se informava a respeito de sua condição através de livros de nutrição com a ajuda de familiares e amigos para que ela tivesse acesso a esses materiais. Para marcar a nova página de sua vida ela fez um jantar de despedida e no dia 1 de janeiro de 1995 iniciou sua dieta. Infelizmente não havia informações sobre contaminação cruzada naquele momento, então o glúten ainda era presente em casa e ela continuava frequentando padarias e restaurantes comuns. Essa situação fez com que Raquel tivesse uma melhora lenta, indicada por uma endoscopia feita 3 anos após o diagnóstico, que ainda apontava atrofia vilositária. As informações sobre contaminação cruzada começaram a circular somente após o início da popularização da internet, tornando possível que os celíacos de diversos cantos do mundo fizessem contato uns com os outros e compartilhassem com os celíacos brasileiros o que pouco se sabia na época.

Outros celíacos na família

Raquel e Ester com o Dr. Alessio Fasano, em sua primeira vinda ao Brasil, durante o I COINE (Congresso Internacional de Nutrição Especializada), organizado pela Nutricionista Dra. Noadia Lobão em parceria com a ACELBRA-RJ.

Assim que Raquel teve seu diagnóstico concluído, sua irmã gêmea, Ester Benati, insistiu em também fazer os exames. Apesar de não apresentar nenhum sintoma, a intuição de Ester apontou para o caminho certo! Afinal, irmãos gêmeos idênticos possuem chances iguais de desenvolver as mesmas doenças, pois possuem a mesma configuração genética. Incrivelmente, mesmo sem apresentar nenhum sintoma da Doença Celíaca, Ester também estava com atrofia das vilosidades intestinais, semelhantes a de sua irmã! Juntas, as duas uniram forças e começaram a trabalhar para a conscientização da condição!

Naquela época, assim como não existia muita informação sobre contaminação cruzada, não era falado ainda sobre a característica genética da Doença Celíaca e da necessidade dos familiares de primeiro grau do celíaco também fazer os exames, mesmo sem a apresentação de sintomas. Apenas durante os anos 2000, com a chegada dessas informações e do começo dos exames sorológicos no Brasil para diagnóstico da DC, que o restante da família foi sendo diagnosticada. Raquel e Ester possuem mais 5 irmãos, sendo 3 deles também celíacos e 2 diagnosticados com sensibilidade ao glúten não celíaca. Posteriormente a filha mais velha de Raquel também foi diagnosticada como celíaca.

Raquel Benati com sua família. Todos diagnosticados com alguma desordem relacionada ao glúten.

A importante relação com outros celíacos

Em uma época em que os meios de comunicação e tecnologia ainda eram escassos e as informações sobre a condição celíaca começavam a circular, Raquel Benati conseguiu conhecer outros celíacos. Essa vivência para Raquel foi essencial, pois, segundo ela, a troca de experiências sobre a doença foi e continua sendo muito relevante em um cenário onde a pesquisa científica é praticamente inexistente. 

“A prevalência da artrite reumatoide (doença autoimune) é parecida com a da doença celíaca – 1% da população”, disse Raquel. “No entanto, o nível de conhecimento dos profissionais de saúde e da população sobre essa doença autoimune é infinitamente maior do que sobre a doença celíaca. Foi nessa relação com outros celíacos, mesmo que de forma virtual, que pude aprender mais sobre a própria doença celíaca e a #vidasemglúten!”

O surgimento do Rio Sem Glúten

Ao procurar por meios de se informar a respeito da doença celíaca, Raquel descobriu a Acelbra-SP, que enviava periodicamente pelo correio boletins com informações sobre o assunto para os associados. Alguns anos depois, o gastropediatra de sua filha, também celíaca, falava da importância de existir uma associação de celíacos no Rio de Janeiro, o que fez com que Raquel fosse crescendo essa ideia na cabeça. Mas foi somente após participar de um grupo virtual criado pela Acelbra-SP e ver sua irmã gêmea, Ester Benati, sendo entrevistada sobre a dieta sem glúten que fazia pela apresentadora Leda Nagle no programa Sem Censura, quando ainda era transmitido pela antiga TVE, que Raquel firmou a ideia.

As cariocas participantes do grupo virtual combinaram um encontro presencial para planejamento de criação do grupo de celíacos do RJ, surgindo assim a Equipe Rio Sem Glúten. Raquel fez uma apuração das informações que ela gostaria de ter encontrado no momento do seu diagnóstico e reuniu tudo no site feito para a Equipe no final de 2004. No ano seguinte foi realizado o 1° Encontro de Celíacos do RJ no anfiteatro do Hospital Universitário da UERJ, com apoio da Acelbra-SP, Acelbra MG e da nutricionista Dra. Cecília Carvalho. Alguns meses depois, em setembro de 2005, foi criado a Acelbra-RJ, sendo Raquel Benati a primeira presidente da associação e permanecendo no cargo por 7 anos! O trabalho realizado pela Equipe do Rio Sem Glúten e da Acelbra-RJ foram divulgados por muitos anos no mesmo site. Após a Fenacelbra criar um portal foi possível que todas as Acelbras tivessem seus próprios sites e desde então o Rio Sem Glúten seguiu separado da Acelbra-RJ, mas sempre apoiando as ações da associação.

Novo site do Rio Sem Glúten

A partir de 2011, Raquel começou a editar, traduzir e criar materiais educativos em PDF sobre a doença celíaca e disponibilizar esses conteúdos de forma gratuita para download. No ano seguinte Raquel também criou um blog vinculado ao Rio Sem Glúten, o  dietasemgluten.blogspot.com, para divulgar traduções de textos e artigos científicos sobre doença celíaca, sensibilidade ao glúten e dieta sem glúten. Uma nova versão do site, compatível com smartphones, foi criada em 2018 com domínio brasileiro. Houve também mudança na quantidade de conteúdos disponibilizados no site atual, mas a antiga versão ainda está ativa para consultar informações. O Rio Sem Glúten é a maior referência sobre a condição celíaca e também é considerado uma porta de entrada para quem recebe o diagnóstico da doença e precisa de informações seguras e abrangentes tanto sobre a patologia quanto sobre tratamento.

As Atividades do Rio Sem Glúten

Encontro de Influenciadores em Curitiba para criação da Campanha #glutenfreenãoémimimi

Além da divulgação de conteúdos sobre a vida celíaca, o Rio Sem Glúten participa de diversos outros trabalhos importantes, como o COINE (Congresso Internacional de Nutrição Especializada), realizado pela nutricionista Noádia Lobão. Raquel ainda foi responsável por estabelecer parceria e levantar recursos para a montagem da Cozinha Experimental Sem Glúten, um projeto do Celíacos na UEZO (Universidade Estadual da Zona Oeste), tendo como responsável a professora e nutricionista Sabrina Dias. Dentro das redes sociais o Rio Sem Glúten também está presente com página no Facebook e no Instagram, fazendo um trabalho importante de divulgação de questionários de estudantes universitários que pesquisam sobre doença celíaca ou dieta sem glúten para seus TCCs.

Em 2019, Raquel Benati foi uma das idealizadoras e coordenadoras de uma campanha realizada com a participação de diversas influenciadoras digitais no Instagram, o #GlutenFreeNãoÉMiMiMi. Além disso, o Rio Sem Glúten sempre esteve a frente na organização de pequenos eventos presenciais para divulgação da DC, sendo o último deles realizado em fevereiro de 2020, em Botafogo (RJ), com o lançamento nacional do documentário “Não Contém Glúten”.

Exibição do documentário Não Contém Glúten no Rio de Janeiro com organização do Rio Sem Glúten
Roda de conversa realizada após a exibição do documentário.

Passado, presente e futuro

Ao longo de todos esses anos houve uma evolução considerável em relação às leis de rotulagem e também em referência a divulgação das informações. Apesar disso, Raquel ressalta que ainda temos muito trabalho pela frente: 

“Hoje existem mais meios de se chegar à informação, mas isso não tem representado mais diagnósticos. Continuamos invisíveis para a Medicina e para a Sociedade. Muita gente continua na peregrinação por consultórios e hospitais, com uma lista interminável de sintomas e sem respostas. Ainda temos pessoas em dieta sem glúten julgadas como frescas e sendo excluídas do convívio social. Ainda temos famílias que negam o diagnóstico e negam ajuda ao celíaco, não se envolvendo com seu tratamento. Então avançamos em alguns aspectos, mas muito há ainda a ser feito. Muito!”

Como uma boa atuante na comunidade celíaca, Raquel espera que em breve seja possível que o diagnóstico seja feito rapidamente, a partir da primeira queixa do paciente e que novos exames surjam para identificar facilmente e com precisão a doença celíaca mesmo em pessoas que já estejam em dieta livre de glúten. Além disso, Raquel ressalta a importância do surgimento de novas iniciativas duradouras, utilizando mais recursos e com produção de conteúdos em novos formatos, para que mais pessoas sejam alcançadas e para a comunidade celíaca ter uma voz dentro da sociedade brasileira!

O Não Contém Glúten agradece e parabeniza imensamente o trabalho da Raquel Benati frente ao Rio Sem Glúten durante todos esses anos! Essa trajetória é inspiração e referência para a comunidade celíaca e para os novos projetos que lutam pela causa! E é por isso que o Não Contém Glúten preparou uma singela homenagem para essa celíaca que faz a diferença!

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