Pare de dizer “Deus vai te curar”

Essa foi uma das frases que mais ouvi desde o diagnóstico e machucou muito. Sempre estive dentro da igreja cristã protestante, antes mesmo de saber que existia doença relacionada ao glúten ou de receber os laudos das primeiras doenças associadas, como a Síndrome do Ovários Policístico (SOP) e mesmo assim, o “Deus que vai me curar se comer com fé”, não teve misericórdia de mim e deixou a doença adormecida. 

A culpa não é de Deus e não existe nenhuma obrigação de me curar. O que existe é a necessidade das pessoas aceitarem o celíaco ou sensível do jeito que é, com a restrição alimentar. 

Toda vez que se fala: “você não pode pensar desse jeito, tenha fé que Deus vai te curar”, acende a ideia de intolerância pela peculiaridade do outro, ou seja, não é permitido para o próximo ser diferente. Logo, se isso acontece dá uma sensação solitária e de desamparo. 

Pare de dizer isso. 

E pedir isso não quer dizer que, como cristã, não acredite a soberania de Deus, mas que gostaria de mais apoio no tratamento, que é retirada completa de todos os traços de glúten. Comer com fé ou sem fé resulta em complicações sérias e que podem causar o óbito. 

Quando produzi a reportagem especial “Tem Glúten: a dura realidade dos celíacos”, o meu principal ponto era possibilitar o debate entorno das dificuldades da restrição e mostrar que essas pessoas precisam de sensibilidade, empatia e solidariedade. No entanto, a cada frase intolerante é possível perceber que ainda é um caminho muito longo a ser trilhado para a conscientização. 

A doença celíaca é como outras doenças graves, só que ainda não possui cura. Se uma mulher tem câncer de mama e fala abertamente sobre isso na igreja, é muito mais provável que seja motivada a continuar com os procedimentos de radioterapia e quimioterapia, por mais dolorosos que sejam:

“Que bom que você está fazendo tratamento, vou orar pela sua vida.”

Já quando se trata sobre a doença celíaca, mesmo a habitual aula sobre não poder comer alimentos com o fator de risco e a resposta sistêmica que o corpo dá, a fala é outra:

“Repreenda isso em nome de Jesus e coma com fé, Deus vai te curar.”

Ninguém diz para uma pessoa que quebrou a perna andar na corda bamba, para quem tem tuberculose fumar um cigarro, para um cego andar numa avenida movimentada sem auxílio, para um cardiopata comer sal em excesso “com fé”, mas por que com as doenças do glúten se precisa testar uma divindade?

Pare de dizer isso. 

Aceite a pessoa como ela é, com as restrições que possui, se é a glúten, leite, milho, amendoim, soja ou qualquer outro alimento e entenda que ninguém pediu para ser assim. Cada pessoa tem a sua singularidade e merece ser respeitada por isso, apoie e ame. 

Não seja intolerante. 

Caso você acredite que Deus pode te curar, ore com fé, peça a Ele, mas não coma glúten, tenha acompanhamento médico e nutricional. Seja racional e faça os exames regularmente, não apresentar sintomas não quer dizer cura.

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