Doença celíaca e turismo

 Você já parou para pensar como é, para uma pessoa com restrições alimentares, realizar uma viagem a passeio, a trabalho ou fazer um intercâmbio? Confesso que, antes do diagnóstico da doença celíaca (DC), eu nunca havia pensado a respeito. Viajar, para mim, sempre foi sinônimo de leveza, de aproveitar cada chance de integração (e interação) com a nova cultura, pessoas e seus hábitos e, claro, provar da culinária local.

  Nunca precisei fazer planejamentos de onde comer ou o que poderia consumir, simplesmente comia tudo o que gostava e tinha vontade. Sem restrições, sensibilidades ou alergias alimentares. Ia desde um restaurante “bacana” até uma pizza com cerveja ou um “sanduba” na lanchonete da esquina. Comidinhas compradas de última hora em algum supermercado ou aproveitar uma surpresa gastronômica presenteada por algum (a) amigo (a), também eram hábitos corriqueiros. 

  Hospedagem em hotel ou pousada, viajar sozinha ou acompanhada, marcar um almoço fora ou comer em casa de amigos e parentes; a alimentação nunca significou preocupação no planejamento da viagem, ao contrário, era motivo de alegria e celebração. Após o diagnóstico da doença celíaca, antecedido pela sensibilidade alimentar à lactose, um “balde de água fria” foi jogado nos meus devaneios gastronômicos e sonhos culinários pelo mundo afora. Como seria daqui para a frente? Teria opções? Seria muito difícil encontrá-las? Como fazer quando a fome “apertasse” no meio da rua sem saber onde encontrar alimentos sem glúten? Como faria para confraternizar com novos (as) colegas? Muitos questionamentos, tantas dúvidas, pouca segurança! Mas jamais cogitei deixar de viajar e de aproveitar as oportunidades ou sequer pensei em me privar de colecionar memórias incríveis, de diferentes roteiros e pessoas, por causa dessa nova condição de vida.

  Primeira parada pós-diagnóstico da DC? Intercâmbio em Malta! Comecei a pesquisar sobre essa ilha incrível e quais seriam as minhas possibilidades de alimentação – restaurantes, supermercados e hospedagem com disponibilidade de cozinha. Uma busca prazerosa (mas de certa forma, ansiosa, por viajar com restrições que antes eu não tinha), pois, enquanto pesquisava os locais que queria conhecer e visitar, ia encontrando aos poucos, várias opções “gluten free”.  

  Na Ilha, descobri alguns restaurantes onde poderia comer ensopado de coelho (prato típico maltês), pizzas e massas, ademais, alternativas de itens sem glúten nos supermercados (essa parte deu mais trabalho, já que os produtos vêm de diversos países, cada um com sua rotulagem, além de idiomas distintos). Se passei “perrengues”? Sim, claro! Se não passar algum, não é um “celíaco raiz”! E vontade? Muita, sem dúvida! Mas posso dizer que foi muito compensador e gratificante — pude ver vários colegas (brasileiros e de outros países) questionando sobre o glúten, tirando dúvidas, procurando opções de produtos para mim, além de pesquisarem lugares que fossem inclusivos a fim de que pudéssemos confraternizar.

  Depois de Malta, vieram outras viagens maravilhosas: Buenos Aires (deu uma certa frustração voltar lá “como celíaca”, depois de já ter tido experiências no país argentino sem restrições alimentares, mas nada que tirasse a alegria de estar em uma das cidades que mais amo), fui ao Uruguai (país incrível para celíacos), e, a última viagem (pré-pandemia), Rio de Janeiro (também me surpreendi positivamente com a oferta de produtos sem glúten em supermercados).

  Como eu faço antes de viajar? Planejo muito, pesquiso bastante, vejo grupos em redes sociais, entro em contato com responsáveis pelos atrativos turísticos que me interessam – para questionar se há opções seguras para celíacos – realizo reservas de restaurantes e passeios com antecedência, procuro espaços para comprar comida sem glúten (como supermercados ou lojas de alimentos naturais) e vou em busca de hospedagem (Airbnb tem sido a melhor opção, pois a liberdade de poder cozinhar e a privacidade que esse tipo de instalação proporciona são bastante atraentes). Com relação às companhias aéreas, ligo para verificar a possibilidade de solicitar antecipadamente um menu sem glúten (a Alitália foi de longe a mais atenciosa e cuidadosa, grata surpresa. Já com a Gol, tive uma péssima experiência, até atestado médico me solicitaram).

  Na teoria, é assim que funciona. Mas, na prática, será um dia de cada vez, com algumas decepções por não poder experimentar comidas típicas de cada região ou país e sempre ter que pagar mais caro do que todo mundo em alimentação. Não poder comer em qualquer lugar quando estiver passeando e ver as pessoas se deliciando com maravilhas que apenas guardo na memória afetiva, também não é fácil. Em contrapartida, é vibrar de alegria com cada achado sem glúten, com cada pessoa que, com bastante empatia, cruza o meu caminho (atendendo com gentileza e solicitude)  e com cada comida gostosa e segura descoberta por acaso ou depois de muito “bater cabeça até encontrar”.  

  Ser celíaco (a) não é um “mar de rosas”: há muitas “batalhas” nas mudanças necessárias de hábitos, muito “contorcionismo” para lidar todos os dias com possíveis riscos de contaminação nos alimentos, adaptações ao novo estilo de vida (inclusive das pessoas mais próximas a ele ou ela), além de ser um enorme exercício de resiliência, de aceitar que é uma mudança definitiva e buscar cuidar também do psicológico e do emocional nesse longo processo de transformações. Abdicar de forma definitiva de certos prazeres da vida (comer sem restrições, sem dúvida alguma, é um deles) não é fácil, mas queixar-se e viver em lamentação também não deveria ser um caminho a percorrer. Deixar de viajar e viver momentos novos, também não é uma escolha saudável. Hoje em dia, temos à mão a ‘internet’, que nos facilita a vida e nos oferece um leque enorme de possibilidades. Podemos fazer pesquisas e entrar em contato com pessoas que já passaram por vivências semelhantes, que, de certa forma, “abriram as portas” para podermos adentrar com relativa segurança nessa experiência desafiadora. Para quem sofre com reação imediata à contaminação cruzada (que não é o meu caso), acredito que o receio de passar mal seja muito maior, mas com os devidos cuidados e precauções (além de carregar os remédios usuais para alguma emergência), com boa vontade, interesse, uma grande dose de paciência e  (muitas) pesquisas, dá para realizar os passeios e viagens tão almejados.

Compartilhei, aqui, a minha experiência, a minha vivência como turista celíaca. E você, já fez alguma viagem pós-diagnóstico da DC ou, com receio, acabou privando-se de novas oportunidades e desafios?

 

2 comentários em “Doença celíaca e turismo”

  1. Michelly Leite Campos

    Realmente é muito complicado. Estava planejando uma viagem quando então recebi o diagnóstico de DC. Parei com os planos de viajar, de ficar muito tempo na rua (por só poder me alimentar em casa), parei de ir na casa de parentes, me privei de tudo. Minha DC é muito grave, tenho reação a quaisquer toque de algo que tenha glúten, até se a mesa não for limpa antes de eu sentar, posso me contaminar e a reação já começa de imediato. Para mim, é muito difícil esse meio social e viagens. Agradeço por compartilhar sua experiência.

    1. Kethleen Formigon

      Sinto muito, mas lembre-se que a Doença Celíaca não pode te impedir de realizar seu sonho de viajar! No Instagram existem várias contas que tratam somente desse assunto, compartilhando experiências de viagens sendo a pessoa celíaca. Dá uma procurada, vai mudar a forma como você enxerga a situação!

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